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Novos tempos novos parâmetros
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Como o urbanismo e a construção precisam ter um novo olhar para enfrentar as transformações das mudanças climáticas.

 

Não é segredo para ninguém, que estamos na década mais quente da história da humanidade na terra. Os eventos climáticos estão cada vez mais extremos, e frequentes, e certamente esse será o novo normal. E as emissões estão 62% maiores do que quando as negociações para sua redução iniciaram em 1990. 

Estamos correndo contra o tempo, para nos adaptarmos a um clima que muda freneticamente, mas não é só essa questão. Segundo a ONU, essa é uma das três crises planetárias, junto com a perda da biodiversidade a poluição e os resíduos. 

A indústria da construção, que é responsável por 38% do total de emissões de CO2 no mundo, tem um papel muito importante, para cumprir a meta de manter o aquecimento global abaixo dos 2º C, e precisa assumir essa responsabilidade com urgência. 

De acordo com o novo relatório do PNUMA Um Guia Prático para Construções e Comunidades Resilientes ao Clima, edifícios e espaços comunitários podem ser construídos com objetivo de aumentar a resiliência, principalmente quando falamos que grande parte das construções em países em desenvolvimento estão em assentamentos autoconstruídos.  

Aqui novamente podemos falar sobre as soluções baseadas na natureza, e na sua eficiência em diversas versões na mitigação e adaptação às mudanças do clima. 

Por exemplo: estudos mostram que em 2050, mais de 1,6 bilhão de pessoas estarão regularmente expostas a temperaturas extremas em 970 cidades na Ásia e Pacífico, juntamente com efeito “ilha de calor urbana”, que torna a cidade muito mais quente do que as áreas rurais ao seu redor. 

Mas a natureza e suas soluções são poderosas, e criar florestas urbanas, corredores de biodiversidade e espaços verdes para reduzir as ondas de calor nas cidades podem melhorar muito a resfriar o ambiente ao redor, oferecendo sombra e liberando água por meio da evapotranspiração. 

Nos projetos estruturais, soluções como orientação adequada, salas altas e aberturas grandes, melhoram a ventilação e o conforto térmico. 

Hoje, paredes de pedra pesadas, podem capturar o calor solar. Telhados verdes e superfícies reflexivas auxiliam a reduzir temperaturas internas e externas às construções. 

Avião em pista com grama ao fundo Descrição gerada automaticamente

Nesta imagem vemos a entrada do Clube do Artesano Galleria que se utilizou de algumas estratégias para proporcionar uma relação harmônica com a paisagem e terreno. Além de criar um microclima agradável no interior da construção.

Começando pelo encaixe delicado no terreno: percebe-se por essa foto que a mata ao fundo assume o protagonismo na paisagem, enquanto a construção fica mimetizada. É uma intervenção sutil e sofisticada. Essa abordagem de projeto também colabora com uma terraplenagem menos agressiva, à medida que a construção se adequou ao declive do terreno natural. O acesso se dá pela cota da calçada e a escada conduz ao nível térreo que está nivelando com a cota da mata, pouco mais de 1m abaixo da entrada. 

 

Solução para habitação e clima 

Com base nas projeções do Banco Mundial, a população urbana global aumentará em 150% até 2045, o que resultará em uma demanda crescente por moradias nessas áreas. Como resposta a essa demanda, muitos países com populações urbanas em rápido crescimento estão incentivando o uso de materiais sustentáveis de base biológica, como o bambu, na construção. 

Quando gerenciado adequadamente, o bambu possui o potencial de satisfazer parte da necessidade por moradias acessíveis e decentes. Além disso, se cultivado e colhido de forma sustentável, o bambu pode contribuir significativamente para alcançar metas de emissão zero de carbono (Net-Zero).

 

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

 

A construção semienterrada no terreno somadas às contenções de largos muros de gabião colaboram também com a redução de temperatura no interior da construção, proporcionando um microclima agradável. 

De encontro a isso, o telhado verde presente em toda a extensão da laje e os brises colocado em toda a fachada frente à piscina exercem papel fundamental para o conforto térmico.

Quanto solução estrutural, é premissa de todas as construções realizadas pela Artesano Urbanismo, que seja adotado estrutura de madeira engenheirada. Um material natural que traz sensação de conforto e que exerce função importante de captar CO2 da atmosfera. Essa é uma alternativa às construções convencionais de concreto ou metal e tem ganhado espaço no mercado. A cobertura dessa estrutura foi solucionada com telha termoacústica e acima dela puderam ser acomodadas placas solares que geram energia para o próprio clube. 

Se analisada a organização dos ambientes, observa-se que, em resumo, os blocos fechados se alternam com ambientes abertos e avarandados, permitindo que as correntes de ar atravessem a edificação, promovendo ventilação natural constante. Além do pé direito alto, com mais de 5m de altura, que torna os ambientes fechados mais arejados e inundados por luz natural.

Toda a edificação fica de palanque para a mata e muito próxima a ela, proporcionando sua contemplação e ainda o acalanto da brisa fresca que sai da mata.  

Nesta imagem vemos o Clube do Artesano Galleria, em Campinas, que tem, telhado verde, a estrutura aberta, paredes de pedra pesada, estilo gabião, além da produção de energia solar. 

A temperatura interna é bem reduzida, e ele ainda fica em uma posição inferior à rua, nivelado com a mata de preservação localizada em frente. 

Trem passando em trilho perto de ponte Descrição gerada automaticamente

Olhando pelo outro lado, podemos ver que ele é todo vazado, pode-se ver que ele é permeado por passagens de vento. 

O regime de chuvas 

As mudanças climáticas também vêm afetando muito os padrões de precipitação, o que aumenta muito a sensibilidade hídrica das cidades. Os sistemas de recarga de água de chuva, cisternas, telhados que capturam, e armazenam a água para os períodos de seca, ajudam a reduzir os riscos de inundação, durante as chuvas fortes e ainda mantém a água armazenada para tempos de estiagem. 

Bom, além disto, novamente plantar árvores ou outras vegetações ao redor dos edifícios ajudam a recarregar e infiltrar as águas no solo, e reduzem os riscos de inundações também. Em São Paulo, um projeto de vagas verdes filtrantes, no bairro da Sé, vem ajudando a reduzir as cheias, durante chuvas fortes, e tornou-se um exemplo de solução baseada na natureza. Foi ampliada para diversos outros bairros da cidade. 

Jardim com plantas Descrição gerada automaticamente

                 Imagem: Vaga verde na rua Conselheiro Brotero

 Ciclones e Ventanias 

Os eventos mais recentes em São Paulo, mostram que alguns eventos extremos serão cada vez mais frequentes, prevê-se que ciclones e tempestades se tornarão cada vez mais presentes no nosso dia a dia, e seus efeitos de afetar as construções de várias maneiras, como derrubar telhados, danificar estruturas e fundações, e para que isto possa ser mitigado os parâmetros das estruturas precisam, ser adaptados. Telhados com várias inclinações diferentes podem reduzir os efeitos dos ventos fortes, além disto hoje existe um conceito que é o planejamento para danos, ou seja, criar varandas ou pátios projetados para quebrar durante ventos fortes para evitar danos estruturais adicionais às partes essenciais da construção, isto pode ser chamado também de arquitetura frangível. 

Mas e o frio? 

O Brasil, tem menos problemas com o frio, a partir da sua localização, mas esta também é uma questão, porque os eventos extremos envolvem tanto calor extremo quanto o frio extremo. Hoje existem soluções interessantes, como as paredes de Trombe, que absorvem calor durante o dia, e irradiam durante a noite, quando está mais frio. E as interessantes paredes de água, que em vez de concreto, contêm tambores de água para armazenar calor. Os edifícios também devem ser orientados para maximizar a exposição ao sol. 

O mais importante, é compreender que a nossa forma de projetar e olhar para o mundo, precisa estar mais focada nas projeções, e possibilidades, do que nos históricos, que eram o modo mais utilizado pelos profissionais. 

Além disto, a iniciativa privada, precisa olhar para o todo em que está inserida, é assim que pensamos, nos projetos Regenerativos, porque não é possível ter resiliência sozinho, será necessário olhar para cidade, e apoiar essas localidades a se tornarem mais resilientes.  Será necessário ter um olhar para a cidade e como a iniciativa privada por apoiar esses locais em que desenvolve seus projetos de construção a tornar-se mais resilientes. 

 

Por Monica Picavea 

Sustentabilista, mestre em Sustentabilidade pela FGV e mestranda em Conservação da Biodiversidade pelo Instituo de Pesquisas Ecológicas. Diretora do Instituto Artesano para o desenvolvimento Sustentável 

 


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